terça-feira, agosto 24, 2004

333 vezes a diagonal do aparelho

O desgraçado [Emídio Rangel] não está bom da pinha. Pode acontecer. Os livros referem o perigo dos raios-gama se nos encontrarmos a poucos centímetros do televisor - e por isso aconselham uma distância nunca inferior a cinco vezes a diagonal do aparelho. Alguns dizem que três metros está certo. Eu cá, se se tratar dos programas de "seu Ediberto", aconselho, pelo menos, um quilómetro.

Mário Castrim. Tal & Qual, 11.12.1998.

Moniz vale mais que a Conferência Episcopal

José Eduardo Moniz na TVI é muito mais influente do que toda a Conferência Episcopal a pregar. Emídio Rangel tem condições para vir a ser o promotor da nova revolução radical em Portugal. Até lá, José Rodrigues dos Santos ainda poderá encontrar o seu caminho na salvação do regime democrático pluralista que todos os analistas dão por perdido.

José Medeiros Ferreira. Diário de Notícias, 5.06.2001.

Ingenuidade

Em televisão não vale tudo. A aposta na qualidade acabará sempre por colher os seus frutos. É uma questão de tempo.

Mafalda Mendes de Almeida. TV Guia, 24.04.2001.

10 minutos e 95%

Dedico cinco minutos a ler jornais de manhã e cinco minutos à tarde (…) Normalmente, noventa e cinco por cento daquilo que se escreve sobre mim não existiu. Foram frases que eu não disse, foram saídas que eu não realizei...

Cavaco Silva, SIC, 18.01.1994

Não é normal!

Não é normal, em país nenhum do mundo civilizado, que um chefe do governo confesse dedicar apenas dez minutos por dia a ler a imprensa e conclua, depois disso, que apenas cinco por cento das informações correspondem à verdade (…).
Ou temos um primeiro-ministro autista e razoavelmente analfabeto ou temos uma imprensa cuja irresponsabilidade e incompetência desafiam todos os padrões admissíveis.

Vicente Jorge Silva. Público, 19.01.1994.

Jornalismo de Fusão

Há cada vez mais momentos nas nossas televisões em que se torna verdadeiramente difícil distinguir entre informação, nos seus diversos estilos, e outra coisa. As televisões portuguesas - será só da silly season? - praticam amiúde uma espécie de fusão entre informação e reality show (telenovela da vida real, na expressão consagrada pela TVI para o seu Big Brother). Uma inquietante fusão, diga-se.
Nos últimos dias tem sucedido isso com RTP e o "caso Dario"(o adolescente português que foi operado a um tumor no cérebro na África do Sul) e na TVI, com Daniel, uma criança que é pastor na longínqua aldeia trasmontana de Pitões das Júnias. Neste caso, aquilo que foi inicialmente uma bela e sensível reportagem num Jornal Nacional - sobre a história de uma criança que guarda um rebanho de vacas e que nunca viu o mar - foi agarrada com unhas e dentes pela TVI e transformada numa espécie de reality show.
No domingo, lá tivemos vários directos de Pitões das Júnias, onde a televisão de José Eduardo Moniz levou o ídolo futebolístico do jovem Daniel, o benfiquista Pedro Mantorras. Depois, foi o passeio de helicóptero até ao mar, esse imenso azul que entrou pelos olhos adentro do Daniel. Tudo isto podia ter dado, sem qualquer dúvida, mais uma bela reportagem. Mas a TVI optou, com a fúria do directos, pelo estilo telenovela da vida real, sem que alguém tenha ficado a ganhar com isso.
Já o caso de Dario, na RTP 1, o caso é mais grave e assume outros contornos. Passa, sabe-se hoje com boa dose de certeza, por um caso de induzida desinformação dos pais do jovem, que acabaram por aceitar a generosidade de emigrantes portugueses para o levarem a ser operado na África do Sul, quando tinham direito a apoio estatal mesmo nessa
eventualidade.Estamos, decididamente, em terrenos movediços, onde várias fronteiras, algumas muito ténues, ameaçam ser cruzadas. A primeira delas, muito simplesmente, é uma questão de bom e mau gosto. Depois, atrás dela, vêm outras, certamente mais complexas. Exige-se bom senso, para começar. Em nome de todos os Darios e Daniéis de Portugal.

Duarte Moral. Os perigos das fusões televisivas, Diário de Notícias, 30.06.2002.

Balsemão zapa da política

Nos últimos tempos, o 'Expresso' optou por primeiras páginas um pouco mais populares. Isso é influência do estu­do da Innovation?
FPB - Mais populares não, menos políticas sim. É completamente diferente. Tomá­mos consciência, em todos os meios, de que as pessoas estão fartas da política só pela política. Na televisão por exem­plo, mal aparece uma notícia sobre o ministro que foi visi­tar qualquer coisa, ou sobre dois líderes do PSD que se zangaram, as pessoas imediatamente «zapam» e vão-se embora. O «Expresso», ape­sar de manter as «cachas» e o privilégio das grandes notíci­as em termos da política nacional, evoluiu, há já bastante tempo, para outro tipo de notícias. Aliás, um dos testes, hoje em dia, é ver, na edição electrónica, quais as notícias que as pessoas «clicam» mais, E, realmente, na primeira pá­gina, as não políticas têm pre­ferência sobre as políticas.

Entrevista de Paulo M. Guerrinha a Francisco Pinto Balsemão. Só nos interessa um acordo geral com a Portugal Telecom, Diário Económico, 09.03.1999, página 24.

O velho abutre

A história-macaca de Vítor Moura Pinto ter contado, antes dos colegas que estavam em Estocolmo, as pala­vras de Saramago na entrega do Nobel, querem os doutores de jornalismo que se chame furar um embargo. É assim: por vezes, os jornalistas negoceiam com o informador a hora da divulga­ção de uma notícia. Se cumprem, cum­prem; se não cumprem furam um embargo. Co­mo o negócio é feito entre iguais - tanto que é fei­to na base da confiança – não sei por que razão não se chama à violação dele, tão-só, faltar à pa­lavra. Já me irrita linguajar estreito dos advogados e mé­dicos, para estar a aturar também da parte dos jornalistas - cuja profissão é falar para todos - entorses ao falar co­mum. O que Vítor Moura Pinto fez foi faltar à palavra. O que é feio, tanto nos torneiros mecânicos como nos jornalistas - não é preciso ser membro do Con­selho Deontológico dos Jornalistas para entender.
O seco e inacessível Saramago, natural­mente embriagado pelo Nobel, deu em ser simpático com os repórteres. Mais: abriu-se em generosidades com os conter­râneos. E foi assim que o seu editor mostrou o discurso que Saramago iria profe­rir - para eles ficarem com uma ideia -, pedindo-lhes que não o tomassem pú­blico antes de ser oficialmente lido. Vítor Moura Pinto, um dos beneficiados pela confiança, foi o único que não resistiu à tentação de o ler antes do acordado.

Com a antecipação, o discurso pas­sou a ser de Vítor Moura Pinto – essa é que é essa. Não se falou de outra coi­sa - quando chegou a vez de Sarama­go discursar, já as suas palavras esta­vam estragadas. Nos anos 60, Sofia de Mello Breyner, também com notável poder de antecipação, já se tinha refe­rido ao maior dos talentos deste jorna­lista, ainda ele era uma criança. Cito de memória o poema (receio que com um ou outro erro, mas respeitando o es­sencial do retrato): «O velho abutre/ É velho e alisa as suas penas/ E os seus discursos/ Têm o dom de tornar/ As al­mas mais pequenas». Escarrapachadinho, o Vítor Moura Pinto.

Ferreira Fernandes. Sobre um escândalo e um esquecimento, Visão, 17.12.1998, página 18.

Pagar para ver

Qualquer semelhança entre os programas populares de TV ame­ricanos e portugueses deve ser pura coincidência. Senão veja­mos. Imagina-se a pagar bom di­nheiro para poder assistir aos campeões de audiência «Big Show SIC» e «Roda dos Mi­lhões»? Ou fica com a sensação de que aquela gente deve ser bem paga para conseguir rir e aplau­dir? A verdade é que há progra­mas, nomeadamente na cadeia norte-americana CNN, em que a lista de espera não só pode chegar aos seis meses como o preço a pa­gar pode atingir os 300 dólares, qualquer coisa como 52 contos. É o que acontece com «Late Show», do prestigiado David Letterman. O que já levantou dúvidas sobre a legalidade da cobrança.

Diário de Notícias, sem título, artigo não assinado, 26.11.1998, página 58.

Masturbação do telecomando

"Esta masturbação do telecomando chama-se zapping. É um movimento automático e interminável que fragmenta qualquer sequência, fazendo com que tudo se pareça com um anúncio. O zapping é a afirmação histórica da lógica de desorganização. Antes do advento do telecomando este processo mental chamava-se esquizofrenia".
Fragmentação, ou “pedagogia do fragmento”, que alterará de modo sensível a tradicional aprendizagem lógico-verbal, tendo como consequência principal, ainda segundo Andreoli, a “transformação do «homem lógico-verbal» em «homem-spot».

Comunicação de Vittorino Andreoli na conferência “Reinventar a Televisão”. Citado por JOÃO LOPES, artigo “A cultura do «zapping»”, Revista do “EXPRESSO”, 29.09.1995.

Autocensura prometida, mas não devida

Aqui há meses, por sugestão do sem­pre inefável Diário de Notícias, qua­se todos os directores dos principais ór­gãos de informação portugueses com­prometeram-se, solene e publicamente, a não publicar mais notícias sobre as intimidades sexuais do presidente Bill Clinton.
Uma insólita autocensura colectiva, a que apenas se recusaram (se bem me lembro...) os directores de O Indepen­dente e do 24 horas.
Nós, os dissidentes, ficámos à es­pera para ver. E o que se viu, nos últi­mos tempos, foi que os directores dos autoproclamados jornais de referên­cia se fartaram de violar a regra que a si próprios se tinham imposto, relatan­do tudo e mais alguma coisa sobre o ca­so Monicagate, incluindo a cor das cuequinhas da menina.
Este festival de coerência acabou on­tem à noite, na SIC, com a transmissão das confissões de Monica ao Channel 4. Um excelente golpe de Emídio Ran­gel, que certamente já nem se lembra de ter assinado, também ele, o tal ma­nifesto da autocensura.

José Rocha Vieira. Promessa da treta, 24 horas, 05.03.1999, página 2.

segunda-feira, abril 26, 2004

Ir só às terras cujo nome comece por determinadas letras?

“Digam-me cá: onde houve janeiras mais participadas e variadas que as de Vila Real? E porque não veio a RTP1 dar um estimulozinho àqueles cantadores para que continuem a preservar a sua cultura tradicional? Qual o critério por que se regeu o noticiário das janeiras? Haver ou não haver verba para combustível? Ir só às terras cujo nome comece por determinadas letras? Ir só às dos compadres? Moeda ao ar? Nenhum?” .

A. M. Pires Cabral. O árbitro da realidade, jornal Repórter do Marão, Janeiro 1998.

Flash

"Se o SIC Notícias foi a melhor alegria dada à televisão portuguesa nos últimos tempos, é bom referir que muitas vezes, na ânsia de sabermos as 'novas', apelamos à estação apenas para perceber que o bloco noticioso é um mero 'flash' de dois minutos".

José Alves Mendes. Esquecer e lembrar, Guia da Semana, Expresso, Dezembro 2002.

domingo, abril 25, 2004

O velho abutre É velho e alisa as suas penas

Com a antecipação, o discurso [de José Saramago na cerimónia de entrega do Nobel da Literatura] passou a ser de Vítor Moura Pinto – essa é que é essa. Não se falou de outra coisa - quando chegou a vez de Saramago discursar, já as suas palavras estavam estragadas. Nos anos 60, Sofia de Mello Breyner, também com notável poder de antecipação, já se tinha referido ao maior dos talentos deste jornalista, ainda ele era uma criança. Cito de memória o poema (receio que com um ou outro erro, mas respeitando o essencial do retrato): "O velho abutre/ É velho e alisa as suas penas/ E os seus discursos/ Têm o dom de tornar/ As almas mais pequenas". Escarrapachadinho, o Vítor Moura Pinto.

Ferreira Fernandes, Sobre um escândalo e um esquecimento, Visão, 1998

Jornais apenas servem para dar vaidade sem instrução às mulheres e aos estúpidos

Em 1755, Rousseau escreve a um amigo de Genebra de quem acaba de saber que lançou um jornal.
“Eis-vos pois, meus senhores, tomados autores de periódicos. Confesso que o vosso projecto não me faz regozijar tanto como a vós; lamento ver homens feitos para construir monumentos contentarem-se em transportar materiais, e arquitectos transformados em pedreiros. O que é um livro periódico? Uma obra efémera, sem mérito e sem utilidade, cuja leitura, negligenciada e desprezada pelas pessoas letradas, apenas serve para dar vaidade sem instrução às mulheres e aos estúpidos e cuja estrela, após ter brilhado de manhã sobre o toucador, morre à tarde no guarda-roupa”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney, 1996

A visão romântica do jornalista

“A visão romântica do jornalismo é a de um repórter em cruzada que, para grande espanto de um rabujento mas benévolo editor, investiga um dos mais infames políticos da cidade, e depois de árduo trabalho e um pouco de sorte, apanha o político ‘em flagrante’, ajuda a mandá-lo para a prisão e melhora as vidas dos oprimidos e desprotegidos”. Um mito com muitas versões, algumas menos grandiosas mas todas elas mais ou menos iguais. (Soloski, 1989/1993: 91).

in Revista Latina de Comunicación Social, La Laguna (Tenerife) - Abril de 1998

Os jornais e a preguiça

Montesquieu, para Uzbec, nas Lettres Persanes:
“Há uma espécie de livros na Pérsia que nós não conhecemos e que parecem estar bastante em moda, são os jornais. A preguiça sente-se lisonjeada ao lê-los”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney (1996)

Dilemas

De que servirá a um jovem estagiário de jornalismo defender, no seu íntimo, o respeito pela pessoa humana e opor-se à exploração dos sentimentos dos seus concidadãos se já souber, de antemão, que só progredirá na carreira caso, na sua prática profissional, faça exactamente o contrário daquilo que pensa?
De que servirá a um director ou a um chefe de redacção definir uma linha de orientação autónoma e isenta para determinado media, se os jornalistas da casa, cumprem missões definidas por entidades exteriores (partidos, agências de comunicação, empresas ou outras)?

Mário Mesquita, A (provável) inutilidade da deontologia em tempos de euforia mediática, Setembro 1995

Os jornais adulteram a eloquência

Abade Galiani a Madame d'Épinay:
“Que Deus vos preserve a liberdade de imprensa estabelecida por édito! Nada contribui mais para tornar uma nação grosseira, destruir o gosto, adulterar a eloquência”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney, Uma História da Comunicação Social, 1996.

Rádio: as fibras da tua caixa vibram, falam, cantam, mentem, gritam…

Excerto de carta que Fernando Curado Ribeiro* enviou, em 1964, a um “receptor amigo”:

“Meu caro, tu és um cofre mágico de entranhas de fios e de lâmpadas; de janelas luminosas. Falas-me tantas vezes, pela tua boca enfeitada de seda como as das mulheres do Oriente, que eu posso e devo prestar-te a homenagem de te dirigir esta carta.
A tua magia é para mim sem mistério. A ciência ensinou-me as leis físicas, pelas quais tu reproduzes os sons. Eu sei que és, apenas, como um eco. Música ou palavra, a alma que tu tens é apenas a que os homens te emprestam. A mais pequena estrela que brilha no céu dá-nos um pouco de si. Tu, não. Tu não tens voz própria, nem mensagem tua. Limitas-te a reproduzir exactamente o que se confia às ondas invisíveis. És irresponsável.
Como sempre, estou a ouvir-te... Este ser longínquo, que fala a plenos pulmões pela tua janelinha de luz, quase está presente. Ouço-o, percebendo-lhe as mais íntimas inflexões e intenções. Talvez seja preciso rever a noção de presença. Os filósofos diziam que um ser está presente quando nos pode falar, quando se mostra, quando pode agir perante nós. Armado deste sólido bom-senso, podia-se (e talvez ainda se possa...) enviar para o manicómio os que invocam presenças ocultas, os visionários, os obcecados. Mas tu confundes os filósofos. Como é possível que não esteja presente, se este senhor que me fala, está aqui comigo? Grave problema psicológico!
Parece que se suprime o espaço. Uma comunicação real com os lugares mais distantes está à minha disposição, ao alcance dos meus dedos. O que vejo é uma pequena caixa cheia de coisas incompreensíveis e sem alma... Mas, a um estalo de um dos teus botões, eu tenho comigo cidades e aldeias, a terra imensa, todos os homens, todos os problemas; e as fibras da tua caixa vibram, falam, cantam, mentem, gritam... Podia falar da geografia ou da ubiquidade divina que me concedes!... Uma pequena pressão faz-me voar além dos horizontes. Num abrir e fechar de olhos, eu estou em toda a parte, sem sair daqui…”.

*in Rádio, Fernando Curado Ribeiro, Editora Arcádia, Lisboa, 1964.

Tais ouvintes servem-se da Rádio como se esta fosse um estupefaciente

A indução de comportamentos passivos nos receptores, acusação hoje repetidamente dirigida às emissões televisivas, já vem de longe, e pede patente à rádio. Atente-se neste saboroso trecho, dos idos de 1945: “Antes de ir ao teatro ou ao cinema o senhor quási sempre procura saber qual o género e a qualidade do espectáculo que vai ver. Mas, no caso da Rádio, o Senhor deixa que o acaso resolva tudo: Resultado: ouve programas que não lhe interessam ou o aborrecem. Outras vezes resmunga e tem birras quando um amigo lhe vem dizer que foi uma pena o senhor não ter ouvido o programa tal, que foi tão agradável. Isto é: deixou de ouvir qualquer coisa que era da sua preferência e ia de encontro à sua maneira de ser e de sentir. Pois muito bem: para evitar tais dissabores, os organismos radiofónicos têm o cuidado de fazer publicar, antecipadamente, os seus programas, espécie de bons conselheiros, de guias atentos.
Ora fique sabendo: um dos piores inimigos da radiodifusão é aquele que ‘abre’ o receptor como se abrisse uma torneira e a deixasse correr dia e noite. Tais ouvintes servem-se da Rádio como se esta fosse um estupefaciente. O que há de bom, de agradável, de útil na Rádio depende, estritamente, do sentido de descriminação do ouvinte. O ouvinte capaz dessa descriminação é o único que nos interessa e que conta para a Rádio. Exige qualidade e é para ele que trabalham os produtores radiofónicos. Na Radiodifusão, assim como nas mais diversas circunstâncias da vida, aquele que deseja receber qualquer coisa deve, em troca, dar qualquer coisa também. Neste caso: a sua atenção. A Rádio não deve ser considerada como o antídoto da tranquilidade, do repouso, mas como um meio de enriquecer a vida pelo contacto com os mais diversos factores artísticos. Encarada desta maneira e tendo sempre presente um particular sentido de selecção, a Rádio devolve-nos, multiplicado por cem, aquilo que nos custa".

Transcrição de artigo do semanário australiano “The A.B.C. Weekly”, in “Onda – Revista Mensal de Rádio”, nº 1, Janeiro de 1945, p. 6-7 (negro nosso).

Buchas incómodas

A culpa nem sempre é das gralhas. Por vezes, são os próprios jornalistas que decidem, para seu inefável gáudio, incluir nos artigos frases que nunca deveriam ter sido publicadas. Mas que têm a sua piada, lá isso têm. No Brasil chamam-lhes gatos. O Instituto Gutenberg* dá conta de duas saborosas estórias, a propósito de gatos jornalísticos.
“Gatos em textos já fizeram rir muitos leitores. No Estado de Minas, um redator acabou a notícia com uma frase solene: ‘O resto é piu-piu’. Esperava que o editor interceptasse, mas saiu. No Correio da Manhã, nos anos 60, com as finanças abaladas pelo cerco do regime militar, a proprietária Niomar Moniz Sodré atrasava os salários. Segundo conta Pery Cotta, no livro Calandra, um gaiato enfiou um contrabando numa notícia sobre um golpe militar na Grécia: ‘O general Papadopoulos disse, ainda, categoricamente:
- Niomar, pague-nos o décimo-terceiro!".

* Instituto Gutenberg, Boletim n.º 33, Série electrónica, Julho-Agosto de 2000

sábado, abril 24, 2004

Os Três Mandamentos...

Brevidade, concisão, en un mot, catch words, num segundo.
Os jornalistas, reza o mito, padecem de cronomentalidade dilerante.
As coisas não são bem assim, mas adiante. Atentem nesta estória, que me chegou através da leitura do investigador espanhol José Contreras.

Sobre o imperativo mandamento da brevidade, José Contreras (1990: 130-131) conta o que rotula como uma anedota oriunda da Grã-Bretanha. Transpõe-se, para os dias de hoje, a chegada de Moisés, vindo do Monte Sinai com os Dez Mandamentos.
“Com toda a certeza, os espaços informativos do mundo inteiro incluiriam a notícia. Num qualquer lugar, o locutor de serviço iniciaria o programa desta forma: Boa tarde. Hoje, Moisés regressou da sua ascensão ao Monte Sinai. Trouxe com ele umas tábuas que recolhem o que apelida de Dez Mandamentos. Estes são os três mais importantes!”.

Acham que as televisões dariam mesmo os três mandamentos, ou um chegava e sobrava?
E já agora, qual seria o escolhido pelos gatekeepers das redacções televisivas?
Aceitam-se apostas...

Uma entrada (muito) mal servida

Os guarda-redes têm aquela angústia na hora do penalti. Os jornalistas têm, quantas vezes, aquela angústia na hora de escrever a primeira linha. É a angústia da página em branco, o medo desse palavrão de seu nome incipit.
Por vezes as coisas correm bem, por vezes correm mal.
Ora atentem nesta estória.

A Defensora del Lector do El País, Soledad Gallego-Díaz, lembra um caso que lhe foi contado por um jornalista veterano, quando ela debutava na profissão: “Cuidado, não te esqueças que há algo pior que uma entrada aborrecida: um começo gratuito. E contou-me um caso ocorrido em 1968 numa emissora de rádio. Um jornalista, angustiado com a necessidade de ser original, começou assim a sua intervenção ao microfone: ‘Quando era criança, a minha mãe cantava-me uma canção que dizia: Mamã Inês, todos os negros tomam café. A partir de hoje, um negro não tomará mais café: Martin Luther King foi assassinado”.

Escusado será dizer que o jornalista perdeu o emprego.

Incêndios, explosões, pragas, inundações, acidentes de comboio...

Longe de mim pretender absolver os jornalistas que, dia a dia, vão pecando por prática abusiva de infotainment.
Há, no entanto, quem, brandindo a cartilha apocalíptica, tenha a memória curta, indexando tal mal aos tempos hodiernos.
Em tempos, Vasco Pulido Valente escreveu sobre o tema. A célebre crónica intitulava-se Nascemos ontem!

Mitchell Stephens também não nasceu ontem. E lembra-nos que as notícias e o entretenimento não se conheceram e emparelharam pela primeira vez nos telejornais: o seu romance remonta aos tempos dos pregoeiros e jograis: “Os telejornais não injectaram nenhuma substância estranha — o tom de chalaça — nas notícias”. Stephens considera que os telejornais incluem menos sangue, sexo e depravação que o que Joseph Pulitzer injectava no seu New York World em 1883.
Mais sangue, sexo e depravação que o determinado num memorandum da agência Reuter, do século XIX, parece na verdade difícil de conseguir: “Incêndios, explosões, pragas, inundações, acidentes de comboio, tempestades destruidoras, terramotos, naufrágios com perda de vidas, acidentes com barcos de guerra, tumultos graves, greves violentas, duelos e suicídios de pessoas conhecidas, assassínios sensacionais ou atrozes devem ser noticiados de imediato”. (Instruções aos correspondentes da Reuter, escritas pelo barão Herbert de Reuter, filho do fundador da Reuter, Julius Reuter).