segunda-feira, abril 26, 2004

Ir só às terras cujo nome comece por determinadas letras?

“Digam-me cá: onde houve janeiras mais participadas e variadas que as de Vila Real? E porque não veio a RTP1 dar um estimulozinho àqueles cantadores para que continuem a preservar a sua cultura tradicional? Qual o critério por que se regeu o noticiário das janeiras? Haver ou não haver verba para combustível? Ir só às terras cujo nome comece por determinadas letras? Ir só às dos compadres? Moeda ao ar? Nenhum?” .

A. M. Pires Cabral. O árbitro da realidade, jornal Repórter do Marão, Janeiro 1998.

Flash

"Se o SIC Notícias foi a melhor alegria dada à televisão portuguesa nos últimos tempos, é bom referir que muitas vezes, na ânsia de sabermos as 'novas', apelamos à estação apenas para perceber que o bloco noticioso é um mero 'flash' de dois minutos".

José Alves Mendes. Esquecer e lembrar, Guia da Semana, Expresso, Dezembro 2002.

domingo, abril 25, 2004

O velho abutre É velho e alisa as suas penas

Com a antecipação, o discurso [de José Saramago na cerimónia de entrega do Nobel da Literatura] passou a ser de Vítor Moura Pinto – essa é que é essa. Não se falou de outra coisa - quando chegou a vez de Saramago discursar, já as suas palavras estavam estragadas. Nos anos 60, Sofia de Mello Breyner, também com notável poder de antecipação, já se tinha referido ao maior dos talentos deste jornalista, ainda ele era uma criança. Cito de memória o poema (receio que com um ou outro erro, mas respeitando o essencial do retrato): "O velho abutre/ É velho e alisa as suas penas/ E os seus discursos/ Têm o dom de tornar/ As almas mais pequenas". Escarrapachadinho, o Vítor Moura Pinto.

Ferreira Fernandes, Sobre um escândalo e um esquecimento, Visão, 1998

Jornais apenas servem para dar vaidade sem instrução às mulheres e aos estúpidos

Em 1755, Rousseau escreve a um amigo de Genebra de quem acaba de saber que lançou um jornal.
“Eis-vos pois, meus senhores, tomados autores de periódicos. Confesso que o vosso projecto não me faz regozijar tanto como a vós; lamento ver homens feitos para construir monumentos contentarem-se em transportar materiais, e arquitectos transformados em pedreiros. O que é um livro periódico? Uma obra efémera, sem mérito e sem utilidade, cuja leitura, negligenciada e desprezada pelas pessoas letradas, apenas serve para dar vaidade sem instrução às mulheres e aos estúpidos e cuja estrela, após ter brilhado de manhã sobre o toucador, morre à tarde no guarda-roupa”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney, 1996

A visão romântica do jornalista

“A visão romântica do jornalismo é a de um repórter em cruzada que, para grande espanto de um rabujento mas benévolo editor, investiga um dos mais infames políticos da cidade, e depois de árduo trabalho e um pouco de sorte, apanha o político ‘em flagrante’, ajuda a mandá-lo para a prisão e melhora as vidas dos oprimidos e desprotegidos”. Um mito com muitas versões, algumas menos grandiosas mas todas elas mais ou menos iguais. (Soloski, 1989/1993: 91).

in Revista Latina de Comunicación Social, La Laguna (Tenerife) - Abril de 1998

Os jornais e a preguiça

Montesquieu, para Uzbec, nas Lettres Persanes:
“Há uma espécie de livros na Pérsia que nós não conhecemos e que parecem estar bastante em moda, são os jornais. A preguiça sente-se lisonjeada ao lê-los”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney (1996)

Dilemas

De que servirá a um jovem estagiário de jornalismo defender, no seu íntimo, o respeito pela pessoa humana e opor-se à exploração dos sentimentos dos seus concidadãos se já souber, de antemão, que só progredirá na carreira caso, na sua prática profissional, faça exactamente o contrário daquilo que pensa?
De que servirá a um director ou a um chefe de redacção definir uma linha de orientação autónoma e isenta para determinado media, se os jornalistas da casa, cumprem missões definidas por entidades exteriores (partidos, agências de comunicação, empresas ou outras)?

Mário Mesquita, A (provável) inutilidade da deontologia em tempos de euforia mediática, Setembro 1995

Os jornais adulteram a eloquência

Abade Galiani a Madame d'Épinay:
“Que Deus vos preserve a liberdade de imprensa estabelecida por édito! Nada contribui mais para tornar uma nação grosseira, destruir o gosto, adulterar a eloquência”.

Citado por Jean-Noel Jeanneney, Uma História da Comunicação Social, 1996.

Rádio: as fibras da tua caixa vibram, falam, cantam, mentem, gritam…

Excerto de carta que Fernando Curado Ribeiro* enviou, em 1964, a um “receptor amigo”:

“Meu caro, tu és um cofre mágico de entranhas de fios e de lâmpadas; de janelas luminosas. Falas-me tantas vezes, pela tua boca enfeitada de seda como as das mulheres do Oriente, que eu posso e devo prestar-te a homenagem de te dirigir esta carta.
A tua magia é para mim sem mistério. A ciência ensinou-me as leis físicas, pelas quais tu reproduzes os sons. Eu sei que és, apenas, como um eco. Música ou palavra, a alma que tu tens é apenas a que os homens te emprestam. A mais pequena estrela que brilha no céu dá-nos um pouco de si. Tu, não. Tu não tens voz própria, nem mensagem tua. Limitas-te a reproduzir exactamente o que se confia às ondas invisíveis. És irresponsável.
Como sempre, estou a ouvir-te... Este ser longínquo, que fala a plenos pulmões pela tua janelinha de luz, quase está presente. Ouço-o, percebendo-lhe as mais íntimas inflexões e intenções. Talvez seja preciso rever a noção de presença. Os filósofos diziam que um ser está presente quando nos pode falar, quando se mostra, quando pode agir perante nós. Armado deste sólido bom-senso, podia-se (e talvez ainda se possa...) enviar para o manicómio os que invocam presenças ocultas, os visionários, os obcecados. Mas tu confundes os filósofos. Como é possível que não esteja presente, se este senhor que me fala, está aqui comigo? Grave problema psicológico!
Parece que se suprime o espaço. Uma comunicação real com os lugares mais distantes está à minha disposição, ao alcance dos meus dedos. O que vejo é uma pequena caixa cheia de coisas incompreensíveis e sem alma... Mas, a um estalo de um dos teus botões, eu tenho comigo cidades e aldeias, a terra imensa, todos os homens, todos os problemas; e as fibras da tua caixa vibram, falam, cantam, mentem, gritam... Podia falar da geografia ou da ubiquidade divina que me concedes!... Uma pequena pressão faz-me voar além dos horizontes. Num abrir e fechar de olhos, eu estou em toda a parte, sem sair daqui…”.

*in Rádio, Fernando Curado Ribeiro, Editora Arcádia, Lisboa, 1964.

Tais ouvintes servem-se da Rádio como se esta fosse um estupefaciente

A indução de comportamentos passivos nos receptores, acusação hoje repetidamente dirigida às emissões televisivas, já vem de longe, e pede patente à rádio. Atente-se neste saboroso trecho, dos idos de 1945: “Antes de ir ao teatro ou ao cinema o senhor quási sempre procura saber qual o género e a qualidade do espectáculo que vai ver. Mas, no caso da Rádio, o Senhor deixa que o acaso resolva tudo: Resultado: ouve programas que não lhe interessam ou o aborrecem. Outras vezes resmunga e tem birras quando um amigo lhe vem dizer que foi uma pena o senhor não ter ouvido o programa tal, que foi tão agradável. Isto é: deixou de ouvir qualquer coisa que era da sua preferência e ia de encontro à sua maneira de ser e de sentir. Pois muito bem: para evitar tais dissabores, os organismos radiofónicos têm o cuidado de fazer publicar, antecipadamente, os seus programas, espécie de bons conselheiros, de guias atentos.
Ora fique sabendo: um dos piores inimigos da radiodifusão é aquele que ‘abre’ o receptor como se abrisse uma torneira e a deixasse correr dia e noite. Tais ouvintes servem-se da Rádio como se esta fosse um estupefaciente. O que há de bom, de agradável, de útil na Rádio depende, estritamente, do sentido de descriminação do ouvinte. O ouvinte capaz dessa descriminação é o único que nos interessa e que conta para a Rádio. Exige qualidade e é para ele que trabalham os produtores radiofónicos. Na Radiodifusão, assim como nas mais diversas circunstâncias da vida, aquele que deseja receber qualquer coisa deve, em troca, dar qualquer coisa também. Neste caso: a sua atenção. A Rádio não deve ser considerada como o antídoto da tranquilidade, do repouso, mas como um meio de enriquecer a vida pelo contacto com os mais diversos factores artísticos. Encarada desta maneira e tendo sempre presente um particular sentido de selecção, a Rádio devolve-nos, multiplicado por cem, aquilo que nos custa".

Transcrição de artigo do semanário australiano “The A.B.C. Weekly”, in “Onda – Revista Mensal de Rádio”, nº 1, Janeiro de 1945, p. 6-7 (negro nosso).

Buchas incómodas

A culpa nem sempre é das gralhas. Por vezes, são os próprios jornalistas que decidem, para seu inefável gáudio, incluir nos artigos frases que nunca deveriam ter sido publicadas. Mas que têm a sua piada, lá isso têm. No Brasil chamam-lhes gatos. O Instituto Gutenberg* dá conta de duas saborosas estórias, a propósito de gatos jornalísticos.
“Gatos em textos já fizeram rir muitos leitores. No Estado de Minas, um redator acabou a notícia com uma frase solene: ‘O resto é piu-piu’. Esperava que o editor interceptasse, mas saiu. No Correio da Manhã, nos anos 60, com as finanças abaladas pelo cerco do regime militar, a proprietária Niomar Moniz Sodré atrasava os salários. Segundo conta Pery Cotta, no livro Calandra, um gaiato enfiou um contrabando numa notícia sobre um golpe militar na Grécia: ‘O general Papadopoulos disse, ainda, categoricamente:
- Niomar, pague-nos o décimo-terceiro!".

* Instituto Gutenberg, Boletim n.º 33, Série electrónica, Julho-Agosto de 2000

sábado, abril 24, 2004

Os Três Mandamentos...

Brevidade, concisão, en un mot, catch words, num segundo.
Os jornalistas, reza o mito, padecem de cronomentalidade dilerante.
As coisas não são bem assim, mas adiante. Atentem nesta estória, que me chegou através da leitura do investigador espanhol José Contreras.

Sobre o imperativo mandamento da brevidade, José Contreras (1990: 130-131) conta o que rotula como uma anedota oriunda da Grã-Bretanha. Transpõe-se, para os dias de hoje, a chegada de Moisés, vindo do Monte Sinai com os Dez Mandamentos.
“Com toda a certeza, os espaços informativos do mundo inteiro incluiriam a notícia. Num qualquer lugar, o locutor de serviço iniciaria o programa desta forma: Boa tarde. Hoje, Moisés regressou da sua ascensão ao Monte Sinai. Trouxe com ele umas tábuas que recolhem o que apelida de Dez Mandamentos. Estes são os três mais importantes!”.

Acham que as televisões dariam mesmo os três mandamentos, ou um chegava e sobrava?
E já agora, qual seria o escolhido pelos gatekeepers das redacções televisivas?
Aceitam-se apostas...

Uma entrada (muito) mal servida

Os guarda-redes têm aquela angústia na hora do penalti. Os jornalistas têm, quantas vezes, aquela angústia na hora de escrever a primeira linha. É a angústia da página em branco, o medo desse palavrão de seu nome incipit.
Por vezes as coisas correm bem, por vezes correm mal.
Ora atentem nesta estória.

A Defensora del Lector do El País, Soledad Gallego-Díaz, lembra um caso que lhe foi contado por um jornalista veterano, quando ela debutava na profissão: “Cuidado, não te esqueças que há algo pior que uma entrada aborrecida: um começo gratuito. E contou-me um caso ocorrido em 1968 numa emissora de rádio. Um jornalista, angustiado com a necessidade de ser original, começou assim a sua intervenção ao microfone: ‘Quando era criança, a minha mãe cantava-me uma canção que dizia: Mamã Inês, todos os negros tomam café. A partir de hoje, um negro não tomará mais café: Martin Luther King foi assassinado”.

Escusado será dizer que o jornalista perdeu o emprego.

Incêndios, explosões, pragas, inundações, acidentes de comboio...

Longe de mim pretender absolver os jornalistas que, dia a dia, vão pecando por prática abusiva de infotainment.
Há, no entanto, quem, brandindo a cartilha apocalíptica, tenha a memória curta, indexando tal mal aos tempos hodiernos.
Em tempos, Vasco Pulido Valente escreveu sobre o tema. A célebre crónica intitulava-se Nascemos ontem!

Mitchell Stephens também não nasceu ontem. E lembra-nos que as notícias e o entretenimento não se conheceram e emparelharam pela primeira vez nos telejornais: o seu romance remonta aos tempos dos pregoeiros e jograis: “Os telejornais não injectaram nenhuma substância estranha — o tom de chalaça — nas notícias”. Stephens considera que os telejornais incluem menos sangue, sexo e depravação que o que Joseph Pulitzer injectava no seu New York World em 1883.
Mais sangue, sexo e depravação que o determinado num memorandum da agência Reuter, do século XIX, parece na verdade difícil de conseguir: “Incêndios, explosões, pragas, inundações, acidentes de comboio, tempestades destruidoras, terramotos, naufrágios com perda de vidas, acidentes com barcos de guerra, tumultos graves, greves violentas, duelos e suicídios de pessoas conhecidas, assassínios sensacionais ou atrozes devem ser noticiados de imediato”. (Instruções aos correspondentes da Reuter, escritas pelo barão Herbert de Reuter, filho do fundador da Reuter, Julius Reuter).